“Volta à tua consciência, interroga-a… Voltai irmãos ao interior e em tudo o que fizerdes atentai para a testemunha, Deus”. (Santo Agostinho)
Deve ser rotina para todos nós, católicos, a prática de um bom exame de consciência, não apenas em preparação para o sacramento da confissão ou por medo de ir para o inferno, ou mesmo, como preparação para a Semana Santa, mas essencialmente, para experimentar continuamente uma metanóia, uma mudança de rota, de direção… Uma mudança de vida. Tem a ver com a nossa conversão determinada e sincera, em busca da santidade. Isto é unânime entre os santos, que nos ensinam sobre a prática sincera da humildade e do desprendimento das próprias paixões.
Porque o verdadeiro caminho espiritual passa sempre pelo conhecimento de si próprio. É de fato travar um combate contra os próprios demônios interiores, tendo a coragem de entrar no deserto árido da própria alma, na tentativa de encontrar o oásis de água viva que está lá dentro. Eis o problema!!! O homem da modernidade, tão fora de si mesmo tem uma dificuldade tremenda de adentrar no mais íntimo do seu ser e encarar a sua miséria, o seu nada, de frente.
É tão importante e necessário o exame de consciência para a alma humana, feito de forma honesta e sincera, que vamos entrando em contato com a verdade de quem nós somos, percebendo o quanto distante de Deus estamos, pois saímos de nós mesmos do nosso jeito, mas podemos voltar para nós do jeito de Cristo. Que Mistério tremendo!!
É descendo para nossa condição terrena que entramos verdadeiramente em contato com o céu, pois à medida que temos coragem de descer até as nossas paixões, elas nos elevam a Deus: subimos a Deus à medida que nos abaixamos até nossa própria realidade. Aquele, porém, que almeja o céu com facilidade, nada encontrará além de sua própria imagem pessoal a respeito de Deus, de si e dos outros. Por isso Santo Isaac, o Sírio, afirmava: “A escada para o reino do céu está escondida em tua alma. Mergulha para dentro dos pecados que estão em ti mesmo e, assim, encontrarás ali uma escada pela qual poderás ascender”.
É preciso, de fato, a virtude da humildade para fazer este itinerário interior. Percebamos que o exame de consciência não está tanto em identificar os pecados cometidos. Não se deve começar por aí. Devemos mergulhar na causa, no motivo pelo qual os praticamos. Tem mais a ver com quem nós somos. Uma análise reta da consciência diante de Deus, deve responder à pergunta: “Quem eu sou e onde está o meu tesouro?”, pois onde está o meu tesouro, aí estará o meu coração. Por vezes o exame de consciência se mostra ineficaz porque o nosso tesouro não está em Deus. Consequentemente, o nosso coração também estará disperso, envolvido em tantas distrações, seduzido por tantas paixões, atordoado pelos ruídos interiores, que tanto atrapalham o progresso da vida espiritual. Não é de admirar a desmotivação de tantos irmãos diante de uma prática que deveria ser tão simples e dentro do nosso cotidiano. Como se concentrar neste exercício espiritual se existe uma gritaria interior? Não se aprendeu a silenciar a alma para ouvir a voz de Deus, para se perceber atraído pelo Senhor para uma vida reta, rumo à santidade. Para se deparar com as próprias misérias e enxergar nelas, não meros obstáculos, mas oportunidades para superá-las como diria São Doroteu de Gaza: “o teu lixo seja o teu pedagogo”.
A vida em Deus consiste em estar sempre diante de sua santa presença. Todos os atos, gestos, atitudes deveriam ser feitas como se estivesse sempre diante de Deus. Então, pergunta-se: Onde eu estava, quando não estava com Deus? Eis a pergunta lapidar! Se formos honestos conosco mesmos, iremos perceber que a resposta a esta pergunta vai muito mais além do que simplesmente a observância do ato em si, mas os diversos maus hábitos, pensamentos, más tendências que nos conduzem a prática e a dependência de certos atos deliberadamente pecaminosos. Se eu permanecer apenas no exame de consciência superficial, nunca conseguirei me desvencilhar de minhas fraquezas. É preciso ir à raiz do problema. Lembrar que, infelizmente temos uma tendência natural a nos afastar do Senhor, à maneira de Adão, que, no Édem, encontrava-se nu e se escondia do Senhor que o procurava na brisa da tarde. Eis que Deus perguntava: “Adão, onde estás?” Tal pergunta é feita a cada um de nós: Onde eu estou? Qual é o meu tesouro? Se o meu tesouro é Deus, eu deixo tudo por Ele. Mas se o meu tesouro são as minhas paixões, comodidades, egoísmos, é isto que eu vou seguir… É a isto que eu vou aderir.
Daí a necessidade da primeira via para um bom exame de consciência: a via da oração, deste encontro sincero com o Senhor, para que, de coração aberto possa ir se deixando tocar pelas coisas do alto. A partir do momento que estou com esta intimidade com Deus, podemos prosseguir, tomando por base os atos deliberados, os maus hábitos já concretizados na sua vida. A partir de então, é preciso pedir a Deus a graça do arrependimento, não apenas porque o pecado destrói a sua capacidade de amar e pode levar para o inferno, mas principalmente porque você ofendeu o teu Pai. É preciso se colocar como o filho pródigo e reconhecer: “Pequei contra o céu e contra ti. Ofendi o teu coração.” De forma sincera, lamentar pela ofensa, com um olhar expectante na misericórdia de Deus. Em seguida, o livre propósito, uma determinação de não voltar a pecar, mergulhando mesmo nas profundezas de tua alma, na tua vida miserável e identificar as causas de tua fraqueza, tendo a coragem de se livrar delas, tornando tua alma mais leve. Assumir o livre propósito de tomar de assalto a vida espiritual, a vida de santidade.
Há vários momentos para se fazer o exame de consciência ao longo do dia. Pode ser ao acordar, ou quem sabe na metade do dia, ou na hora de dormir. Pode ser feito até mais de uma vez ao dia. Cada horário tem uma perspectiva. Caso faça pela manhã, será um exame de consciência preventivo, olhando para os seus vícios, você já se compromete a não praticá-los durante o dia, buscando evitar as circunstâncias, palavras que incentivem ou seja um gatilho para desencadear o ato. Em geral, tal vigilância serve para quaisquer manifestações de pecado.
Caso seja feito o exame de consciência ao longo do dia, ao meio-dia, após o almoço, ou à tarde, avalie como está sendo o dia até aquele momento. Reforce o desejo de não pecar. Lembre-se: temos que sair do mero exame de consciência teórico e tornar efetivo este momento através de atitudes concretas. Peça ajuda ao Espírito Santo, à virgem Maria, a um santo de devoção que, por ventura você tenha. O Senhor não irá te desamparar.
Em última instância, pode ser feito um exame de consciência à noite, antes de dormir. De todos, este é o mais importante, porque não se faz nesta hora um simples exame de consciência sobre aquele dia vivido, mas é extremamente recomendável examinar sua vida inteira e qual o direcionamento que você está dando a ela. Observe os atos de virtude praticados, onde precisa melhorar, quais virtudes precisa adquirir, não esmorecendo diante das faltas cometidas, estando sempre disposto a levantar após cada queda. Sempre levantar…
Trata-se de um esforço, é verdade, todos os dias. Um esforço de busca pelo Senhor de tua alma. Por quem tua alma se enamora. Também o esforço da ovelha que se perdeu, e busca o seu Pastor. Pois o pastor a procura incessantemente, e mantém-se vigilante por causa dela.
Há que se lembrar ainda aqueles que, ao fazerem exame de consciência, por vezes veem pecado em tudo e se acham indignos de estarem em comunhão com o Senhor tendo vista as circunstâncias que ele enxerga como pecado. Cuidado!!! Almas que apresentam e alimentam muitos escrúpulos, almas escrupulosas, tendem a colocar por terra todo o ordenamento da vida espiritual, angustiando-se por não conseguirem discernir as circunstâncias de pecado. É preciso equilíbrio para que tal exercício espiritual não se torne um fardo, desmotivando sua prática. O objetivo é proporcionar o encontro com o Mestre que humaniza verdadeiramente a nossa história e nos faz participantes de sua vida divina. À medida que fazemos do exame de consciência um hábito diário, vamos nos tornando mais dóceis à voz do Senhor, aos seus conselhos divinos, e cada vez mais percebemos as insinuações do seu amor, aprendendo a silenciar o coração e assumindo efetivamente uma vida de união íntima com Ele.
Querer voar para Deus desconhecendo a si mesmo é como Ícaro que, desejando aproximar-se do sol com asas de cera, caiu. As asas que nós construímos antes de nos encontrar com nossa própria realidade, são também simplesmente de cera. A vida com Deus não pode ser escapatória para os problemas que deveríamos resolver! A verdadeira piedade deve ser trazida para o chão do quotidiano e penetrar nosso dia-a-dia e nosso trabalho. Os antigos monges perguntavam ao noviço: “Qual a tua matéria?”
É descendo para nossa condição terrena que entramos verdadeiramente em contato com o céu, pois à medida que temos coragem de descer até as nossas próprias paixões, elas nos elevam a Deus: subimos a Deus à medida que nos abaixamos até nossa própria realidade. Aquele, porém, que almeja o céu com facilidade, nada encontrará além de sua imagem pessoal a respeito de Deus, de si e dos outros – tudo fruto de suas projeções! Como dizia Santo Isaac de Nínive: “A escada para o reino do céu está escondida em tua alma. Mergulha para dentro dos pecados que estão em ti mesmo e, assim, encontrarás ali uma escada pela qual poderás ascender”.
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Romero Frazão, fvc
Membro associado da Comunidade de São Pio X