O papa marcado por tantos pioneirismos. O primeiro papa sul-americano da história. O primeiro jesuíta a assumir o pontificado. O papa do ineditismo, onde se chegou a evidenciar a convivência de dois papas por 10 anos. Um ineditismo que foi marcante em sua visita ao Brasil, em 2013, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude. Também a primeira vez na era moderna em que um papa preside as cerimônias em sufrágio do seu antecessor.
Francisco passa a história como o papa das contradições, das polêmicas e das reformas na Igreja, reformas na Cúria Romana, favorecendo também os casos possíveis de nulidade matrimonial, descentralizando este processo canônico, antes reservado apenas à Santa Sé. Mas também o papa do acolhimento, da espontaneidade, e da transparência, gerando uma proximidade bastante peculiar. Era de fazer ligações telefônicas e falar diretamente com clérigos e leigos em situações bem pontuais. Recentemente ligava diariamente para a única paróquia católica na faixa de Gaza por ocasião da guerra que assola o Oriente Médio, conversando e confortando através do pároco deste território, a população que ali está (cessar a guerra na faixa de Gaza foi inclusive um dos seus pedidos em sua última aparição pública na praça São Pedro neste domingo de Páscoa).
Um pontificado marcado por dificuldades dentro da Igreja, com tantos escândalos como os da cúria romana, no banco do Vaticano, escândalos de ordem pastoral, os abusos sexuais, morais e mesmo espirituais, motivando inquéritos e investigações, promulgando decretos, expondo e responsabilizando os culpados. Inclusive até mesmo os culpados por omissão. Mas também um papado que testemunhou tantos eventos marcantes para a história da humanidade a exemplo da pandemia e da cena inédita vista pelo mundo inteiro de um pontífice solitário caminhando na praça São Pedro em direção a uma basílica desolada indo a proclamar a benção Urbi et Orbi, em uma cena rara, como raros são esses eventos que a própria história demora a testemunhar.
É Francisco, o papa que tanto enriqueceu a Igreja com sua pobreza tão autêntica, com um legado incomensurável que nos deixa e que já vinha sendo preparado pela divina Providência, a julgar pelo Documento de Aparecida em 2007, por ocasião de sua visita ao Brasil em que foi relator da V Conferência Episcopal latino-americana (CELAM). Quanto do seu pontificado já estava prenunciado neste documento!
Um papa que nos apresenta um Evangelho mais do que lido. Mas um Evangelho visto, com sua própria vida, com sua história, na sua saúde sempre tão cheia de intempéries e fragilidades: Teve parte de um pulmão removido na infância, afora outros problemas respiratórios que foram adquiridos com o tempo, bem como problemas no quadril e fortes dores na região lombar, limitando cada vez mais sua locomoção que se tornou ainda mais difícil em decorrência de um processo de artrose nos joelhos.
Ainda assim, o papa que morreu aos 88 anos, era sempre rebelde para com as recomendações médicas. Incansável em seu pastorear, governou a Igreja até seus últimos momentos de pontificado. Era de acolher a todos, e por isso comovia até os que pensavam diferente. Não tinha medo de tocar em assuntos nevrálgicos para a Igreja, tratando tudo com muita leveza, mas mantendo a firmeza da reta doutrina. Muitos não se agradavam, questionavam suas decisões, alguns pronunciamentos, até quando da aprovação de certos documentos, dentre os quais cito dois: Traditionis Custodis e Fidulcian Suplicans, que foram objetos de tantas polêmicas pastorais. O primeiro, disciplinando quanto à celebração do culto divino, custodiando a celebração da Santa Missa, contra toda e qualquer instrumentalização do rito litúrgico; o segundo, que tratou do significado pastoral das Bênçãos, gerando controvérsias no tocante às bençãos de casais em situações irregulares e casais do mesmo sexo, convidando a todos para que cresçam na fidelidade à mensagem do Evangelho, libertando-se de suas imperfeiçoes e fragilidades.
Quantas decisões difíceis, diferentes e inesperadas foram tomadas! Francisco, de fato, motivou a Igreja a estar sempre “em saída”, a anunciar com a Alegria do Evangelho, como ele exortara em sua Evangelii Gaudium. O Papa do Sínodo da Sinodalidade, mobilizando a Igreja no mundo inteiro a expor suas inquietações, suas dores, e seus desejos. O papa da casa Santa Marta, que recusara residir no Palácio Apostólico para morar em um apartamento nesta casa, construída no pontificado de São João Paulo II para membros do clero. Porque ele gostava de estar no meio do povo, da gente comum, gostava de caminhar no meio do povo para conversar com as pessoas.
O papa que veio do fim do mundo, como ele disse no início do seu pontificado, revolucionou costumes na própria Europa, a começar por seus discursos espontâneos, marcou e selou uma juventude. A jornada mundial da juventude realizada no Brasil em 2013, reuniu o maior recorde de público da história do Brasil, em Copacabana, com 3.800.000 pessoas. O cuidado com os pobres, por causa de Cristo chamava a atenção. A demonstração da verdadeira caridade causou inúmeras conversões. Esta capacidade de olhar nos olhos e reconhecer com tanta proximidade uma alma é algo raro. O pontífice argentino, torcedor do San Lourenzo, que gostava de futebol e que expressava este gosto até em seus discursos, manifestava-se sempre tão próximo e tão presente diante das dificuldades e tragédias da humanidade.
Sua preocupação com as condições climáticas, nossa casa comum como ele dizia, tão bem retratada na “Laudato Si”, demonstrava o cuidado com o meio ambiente e com aquilo que o homem tem feito gastando de forma tão desordenada as riquezas naturais, dons de Deus para a humanidade. Sem falar no carinho que ele sempre teve para com a nossa Querida Amazônia.
A família com seu valor, seus desafios, sempre foi outra grande preocupação do Papa, que se manifestou claramente na Exortação Amoris Laetitia em todas as suas dimensões, ratificando o valor do matrimônio, e acolhendo os casais em situações ditas irregulares. Dando enfoque especial na educação dos filhos.
O papa do diálogo inte-religioso, o primeiro a visitar a península arábica, berço do Islamismo e que marca um progresso no diálogo com os muçulmanos. Em peregrinação à terra santa reza diante do muro das lamentações. E no que concerne às igrejas de rito oriental, mais um feito inédito a um pontífice: visita o Iraque, e em Bagdá celebra uma missa em rito caldeu, um dos principais ritos do oriente católico.
Aí está um pontificado assinalado por muitos como sinal do alto. Mas é inegável que as coincidências são bem surpreendentes. Há que se dizer mesmo que são como que sinais a serem contemplados. Um papa que tanto lutou pela unidade dos cristãos, na tentativa de progredir nesta reaproximação com os ortodoxos, é providencial que a celebração da Páscoa tivesse coincidido no mesmo domingo tanto para a Igreja Católica como para as igrejas ortodoxas e o que chama a atenção é que o pontífice faz sua páscoa justamente nesta segunda-feira na oitava de Páscoa. Providência de Deus acompanhada de sua misericórdia para com a humanidade, pois no último dia de sua peregrinação nesta terra, na celebração da Páscoa do Senhor, Francisco surpreende o mundo acenando para o povo na sacada da Basílica de São Pedro, faz seu último passeio próximo aos fíeis, contrariando sim, as recomendações médicas, visivelmente debilitado, mas estando lá se despedindo do povo de Deus. E minutos antes, a Providência quis, a Misericórdia Divina se manifestou no início desta semana nos preparando para o domingo da Misericórdia, minutos antes do seu último contato com o público, Francisco nos concede a tradicional benção Urbi et Orbi (de Roma para o mundo), como último gesto solene público antes de fazer sua Páscoa. Isto nos remete à Esperança de que Nosso Senhor Jesus Cristo, com seu Sagrado Coração está no controle de tudo, de sua Igreja. Fazia parte do plano de Deus que o papa deixasse tão rica mensagem de unidade, de amor, e morresse providencialmente neste tempo pascal, comemorado neste ano em data comum, por todos os cristãos, sejam católicos, ortodoxos, anglicanos, protestantes. Pode ser apenas uma coincidência. Mas é inegável que tal coincidência é bem providencial. Demonstração do Cristo tão próximo que nos amou abundantemente e que nos fala diretamente ao coração como enfatizou em sua última encíclica “Dilexit nos”.
A atitude da Igreja, que está em luto, para esses dias, é de prece pela alma do sumo pontífice, mas também de uma profunda gratidão pelo legado que Francisco no deixa e pelo serviço que ele dedicou à Santa Igreja.
Viva Francisco!! Viva a Igreja! Tão bela e tão Católica!
Viva nosso Senhor Jesus Cristo, que ressuscitou! E vivo, não morre mais!! Aleluia!! Aleluia!!

Romero Frazão, fvc
Membro associado da Comunidade de São Pio X