É interessante e edificante observarmos como São Lucas consegue, não apenas apresentar os fatos relacionados ao Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas ele recria toda uma atmosfera e o estado de alma daqueles que vivenciaram estes acontecimentos. O elemento primordial que estava sendo vivido era justamente a alegria. Vejamos o exemplo de Zacarias, pai de João Batista, que recebe a visita do Anjo Gabriel, o qual promete alegria e exultação pelo nascimento do seu filho e muitos alegrar-se-ão por ele (Lc 1, 14). O nascimento de João Batista já seria causa de uma alegria tal que até um anjo veio dar a notícia pessoalmente a Zacarias de que ele iria ser pai. E ainda estamos falando do precursor. Temos aqui, portanto, um prenúncio da grande Alegria que estaria por vir. É o que podemos chamar em grego de “agalliasis”. Este termo viria ser recorrente no Evangelho segundo São Lucas, pois indica um júbilo escatológico devido ao início do tempo messiânico, pois o Eterno está para submeter-se ao tempo, com a Sua Alegria. Estamos prestes a ter contato com a vida e a alegria, não mais do antigo Adão, mas do novo Adão. Estamos falando de experimentarmos finalmente a vida e a alegria de Deus encarnado em Cristo Jesus. Não estaríamos apenas entrando em contato com a alegria de Deus. Ele mesmo viria compartilhar a Sua alegria conosco. Como dizia Chesterton: “Houve n’Ele alguma coisa grande demais para nos ser mostrada enquanto Ele andou por este mundo, e eu penso às vezes que era sua alegria”.
Afinal, a alegria já pairava no ar pela força vivificante do próprio Espírito Santo, que já havia concebido no ventre da Virgem. Diante da saudação de Maria ao visitar sua prima, eis que o menino João, o Batista, é batizado antes mesmo de nascer, e já exulta de alegria no ventre de Isabel. A alegria era tanta que até Isabel, cheia do Espírito, sentiu esse regozijo, exclamando em alta voz: “a criança estremeceu de alegria no meu seio” (Lc 1, 44).
Esta alegria vai apresentando pontos mais elevados como o que vemos no Magnificat em que a própria Virgem Maria declara que o seu espírito exulta de alegria em Deus, seu Salvador (Lc 1, 47). Uma alegria que se difundia serenamente entre os amigos e parentes de Zacarias e Isabel, que iam visitá-los e congratularem-se com eles ao redor do precursor (Lc 1,58), até que esta mesma alegria pudesse explodir efetivamente com toda a sua força no nascimento de Jesus. Até os Anjos vieram para adorá-lo e para se rejubilarem de alegria e cantarem Glória in excelsis Deo. O céu inteiro se deslocou e fez estada em Belém para saudar o Menino Jesus que vinha para o que era seu, mas os seus não o receberam (Jo 1,11) . Não havia lugar para eles na hospedaria, mas a alegria por sua vinda era tanta que isto passou despercebido. Tanto é que nem sabemos quem era o dono da hospedaria, nem quem eram os hóspedes, nem o motivo pelo qual negassem abrigo. No entanto, naquela estrebaria conhecemos alguns pormenores. A alegria dos anjos era tão grande e intensa que descem até os pastores para anunciar num grande grito de júbilo: “Anuncio-vos uma grande alegria para todo o povo” (Lc 2,10).
Vejamos os pastores: Estavam nos arredores, nas periferias da sociedade, postos à margem, mas estavam guardando o rebanho, durante as vigílias da noite. Um anjo aparece e junto com ele, a glória do Senhor: “Hoje vos nasceu na cidade de Davi, um Salvador que é o Cristo Senhor” (Lc 2,11). Quanto significado nas palavras do Anjo aos pastores: “Achareis um recém-nascido envolto em faixas e posto numa manjedoura (Lc 2,12). O que era apenas um anjo, de repente, e subitamente se juntou a ele, uma multidão do exército celeste.
Não se trata aqui de alguns episódios isolados de alegria, mas é algo profundo que percorre o Evangelho em todos aqueles para quem é anunciada a boa nova. Em meio aos pastores que acorrem até Belém para verem o que se realizou e o que o Senhor manifestou. Os gestos humildes que partiram desta gente tão simples, discriminada, marginalizada, mas foram os primeiros a receberem a boa nova. E a notícia veio do céu! As visitas, as saudações, as congratulações. A alegria vai ganhando nova forma, e vai se tornando mais concreta e mais permanente ao ponto de fazer brotar a admiração e a gratidão. Pois Deus visitou o seu povo. Recordou-se da sua santa aliança. Aquilo que todos os que oravam haviam pedido: Que Deus se lembrasse de suas promessas… Agora aconteceu. As profecias mencionadas há séculos na Antiga aliança (alguns já até tinham esquecido), estava acontecendo ante os olhos dos pastores, estupefatos, exultantes pela lembrança de Deus, e contemplando o Menino na manjedoura com Maria e José.
É claro que a boa nova aos pastores tinha que ser vinda do céu, para que eles pudessem acreditar. Talvez até outras pessoas tenham ido ver o que acontecera naquele estábulo. Um parto em condições tão precárias não deveria passar despercebido. Mas foram os pastores quem primeiro chegaram anunciando o que tinha sido dito a respeito do Menino. A admiração vai se espalhando à medida que os pastores contavam estas coisas. A fé ia sendo animada aqui. De fato, a fé vem do ouvir. Os pastores voltaram transformados louvando e glorificando a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido. Eis o cume da alegria, convertendo-se em louvor e glorificação a Deus.
Eis aqui uma característica dos pastores: eles estavam ali para verem o menino-Deus. Não estavam preocupados com ostentações, em saber quem ocuparia o primeiro ou segundo lugar no reino de Deus que se fazia visível na criança, nem quem seria dentre eles o maior, mas cada um se alegra pelo outro. Não se preocupam nem mesmo em ver o fim. Contentaram-se apenas em ver o Salvador. O importante é que a obra do Senhor vá adiante. Aqui está uma virtude que passa despercebida e que é resultante de uma plena alegria. A virtude da sobriedade. De não se exaltar por ter recebido ou transmitido uma palavra evangélica. Mas apenas anunciar o Salvador porque o irmão precisa ouvir esta boa-nova.
Por tudo isso, alegremo-nos, pois, até os anjos vieram se alegrar com a humanidade. São Leão Magno relata em seu sermão sobre a natividade do Senhor, que “diante dessa obra do amor divino, como não devem alegrar-se os homens, em sua pequenez, quando os Anjos em sua grandeza, assim se rejubilam?” Não pode haver tristeza, porque a vida nasceu. Esta vida que dissipa o temor da morte e nos enche de alegria com a promessa de eternidade.
Romero Frazão, fvc
Membro associado da Comunidade de São Pio X