A Quarta-Feira de Cinzas marca o início da quaresma e nos leva a refletir sobre uma experiência que a Igreja ensina desde o cristianismo primitivo, e que o mundo insiste em querer esquecer. A certeza de que vamos morrer. Mais que um dia para pedir perdão pelos pecados cometidos, trata-se de um dia para lembrar que somos pó e ao pó iremos voltar. Cabe refletir que estamos aqui de passagem. Eis o conflito: vivemos como se a nossa pátria fosse este mundo.
Por isso a Igreja nos orienta à vigilância diante da morte, realizando todos os dias um profundo exame de consciência, como se reza nas Completas da Liturgia das Horas, a última oração da noite: “Dá-nos Senhor uma noite tranquila, e ao fim da vida, uma morte santa”. Pois as alegrias desta terra são efêmeras e facilmente pulverizadas.
Por isso, a Igreja nos ensina a mortificar o corpo, a fim de ordená-lo em relação à alma. Daí, é importante lembrar sobre a disciplina da Igreja quanto à quarta-feira de Cinzas e a sexta-feira da Paixão, em que se deve guardar o jejum. Estes são os únicos dias do ano em que os fiéis estão obrigados a jejuar. Tal jejum consiste em realizar uma única refeição completa durante o dia, podendo ser realizadas duas outras refeições leves, que, juntas não equivalem a uma refeição completa. Conforme o código de Direito Canônico, a esta lei estão sujeitos os homens e mulheres com idade entre 18 e 59 anos completos (Can 1251), estando dispensados os doentes, gestantes, e trabalhadores com árduo trabalho braçal.
Santo Tomás de Aquino nos ensina que jejuamos por três razões, a saber:
- Para reprimir os desejos da carne, afirmando que a prática do jejum conduz à castidade, ou seja, a luxúria perde seu calor pela privação da comida e da bebida;
- Para que o espírito possa alçar-se mais livremente à contemplação das coisas mais altas. Lemos no livro de Daniel que só após um jejum de três semanas que ele recebeu a revelação de Deus (Dn 10, 2-4). Perceba aqui que a inteligência também é ordenada para o entendimento de realidades superiores, uma vez que a alma consegue ter controle sobre suas potências mais baixas.
- Em reparação pelos pecados, razão esta dada pelo profeta Joel: “Voltai a Mim de todo o Vosso Coração, com jejuns, lágrimas e gemidos de luto” (Jl 2,12).
Santo Agostinho afirma que o jejum purifica a alma, eleva o espírito e faz com que o corpo se torne submisso a ele. Torna o coração contrito e humilde, dispersa as nuvens dos desejos, apaga as chamas da luxúria e inflama a verdadeira luz da castidade.
Na Quarta-Feira de Cinzas também se orienta, a partir dos 14 anos de idade, quanto à abstinência de carne de animais de sangue quente, como a carne de boi, de porco ou ave, podendo substituir por peixe, frutos do mar, ovos, ou mesmo, por nada, o que seria melhor. Esta disciplina da abstinência também se aplica a todas as sextas-feiras do ano, exceto naquelas sextas em que aconteçam solenidades litúrgicas. Caso não seja possível a abstinência de carne, pode-se substituir por alguma prática piedosa.
A Igreja, como mãe e mestra, nos orienta para uma vida virtuosa, através da disciplina e da obediência. É tempo de fixarmos atentamente o olhar para o sangue de Cristo e compreendermos o quanto é precioso aos olhos de Deus Pai este sangue que, derramado para nossa salvação, ofereceu ao mundo inteiro a graça da penitência. Basta lembrar das inúmeras épocas e passagens da sagrada escritura em que o Senhor concedeu o tempo favorável da penitência a todos os que a Ele quiseram converter-se. Noé proclamou a penitência e todos os que o escutaram foram salvos. Jonas anunciou a ruína aos ninivitas, mas eles fazendo penitência de seus pecados reconciliaram-se com Deus por suas súplicas e alcançaram a salvação, apesar de não pertencerem ao povo de Deus. A Igreja, sabiamente estabeleceu este tempo favorável de penitência, em preparação para a grande solenidade da Páscoa do Senhor. É tempo de metanoia, mudança de vida, mudança de rota… É tempo de conversão. Observemos fielmente este preceito, a fim de nos conduzirmos sempre, com toda a humildade na obediência às suas santas palavras.
Efetivamente, é o tempo de voltar para Deus: “Deixa de praticar o mal, ó Casa de Israel! Dize aos filhos do meu povo: ‘Ainda que vossos pecados subam da terra até o céu, ainda que sejam mais vermelhos que o escarlate e mais negros que o cilício, se voltardes para mim de todo o coração e disserdes: Pai, Eu vos tratarei como um povo santo e ouvirei as vossas súplicas’ ” (Da carta de São Clemente, 4º papa da Igreja, aos coríntios).
Neste tempo fixemos o nosso olhar no coração do Pai, e desejemos com todo ardor a sua graça e os seus incomensuráveis benefícios.
Romero Frazão, fvc
Membro associado da Comunidade de São Pio X