CARTA APOSTÓLICA
EM FORMA DE «MOTU PROPRIO» DO SUMO PONTÍFICE FRANCISCO
MITIS IUDEX DOMINUS IESUS
SOBRE A REFORMA DO PROCESSO CANÓNICO PARA AS CAUSAS
DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO MATRIMÓNIO
NO CÓDIGO DE DIREITO CANÓNICO
O Senhor Jesus, manso Juiz, Pastor das nossas almas, confiou ao Apóstolo Pedro e aos seus Sucessores o poder das chaves para realizar na Igreja a obra de justiça e de verdade; este poder supremo e universal, de ligar e desligar aqui na terra, afirma, corrobora e reivindica o dos Pastores das Igrejas particulares, em virtude do qual eles têm o sagrado direito e o dever, perante o Senhor, de julgar os seus súbditos.[1]
No decorrer dos séculos, a Igreja, em matéria matrimonial, adquirindo uma consciência mais clara das palavras de Cristo, compreendeu e expôs com maior profundidade a doutrina da indissolubilidade do sagrado vínculo do matrimónio, elaborou o sistema das nulidades do consentimento matrimonial e disciplinou de forma mais adequada o relativo processo judicial, de modo que a disciplina eclesiástica fosse cada vez mais coerente com a verdade da fé professada.
Tudo isto foi sempre feito tendo como guia a lei suprema da salvação das almas,[2] já que a Igreja, como sabiamente ensinou o Beato Paulo VI, é um desígnio divino da Trindade, pelo que todas as suas instituições, embora sempre perfectíveis, devem tender para o fim de comunicar a graça divina e favorecer continuamente, segundo os dons e a missão de cada um, o bem dos fiéis, enquanto objectivo essencial da Igreja.[3]
Ciente disso, decidi empreender a reforma dos processos de nulidade do matrimónio e, para esse efeito, constituí um Grupo de pessoas eminentes por doutrina jurídica, prudência pastoral e experiência forense que, sob a guia do Excelentíssimo Decano da Rota Romana, fizesse o esboço de um projecto de reforma, permanecendo firme, contudo, o princípio da indissolubilidade do vínculo matrimonial. Trabalhando arduamente, este Grupo preparou um esquema de reforma que, depois de meditada consideração, com a ajuda de outros especialistas, é agora vertido neste Motu Proprio.
É, portanto, a preocupação pela salvação das almas, que continua a ser – hoje como ontem – o fim supremo das instituições, das leis, do direito, que impele o Bispo de Roma a oferecer aos Bispos este documento reformador, enquanto partilham com ele esta tarefa da Igreja, isto é, tutelar a unidade na fé e na disciplina relativamente ao matrimónio, centro e origem da família cristã. O impulso reformador é alimentado pelo ingente número de fiéis que, embora desejando prover à sua própria consciência, muitas vezes foram afastados das estruturas jurídicas da Igreja por causa da distância física ou moral; ora, a caridade e a misericórdia exigem que a própria Igreja como mãe se torne próxima dos filhos que se consideram separados.
Neste sentido, apontaram também os votos da maioria dos meus Irmãos no Episcopado, reunidos no recente Sínodo Extraordinário, que imploraram processos mais rápidos e acessíveis.[4] Em total sintonia com tais desejos, decidi, com este Motu Proprio, dar disposições que favoreçam, não a nulidade dos matrimónios, mas a celeridade dos processos, no fundo, uma justa simplificação, para que, por causa da demora na definição do juízo, o coração dos fiéis que aguardam pelo esclarecimento do seu próprio estado não seja longamente oprimido pelas trevas da dúvida.
Fi-lo seguindo naturalmente os passos dos meus Antecessores, os quais quiseram que as causas de nulidade do matrimónio fossem tratadas por via judicial, e não administrativa, não porque o imponha a natureza da coisa, mas porque o exige a necessidade de tutelar ao máximo a verdade do sagrado vínculo, sendo isso assegurado, sem dúvida, pelas garantias da ordem judiciária.
Assinalam-se alguns critérios fundamentais que conduziram o trabalho de reforma.
I. – Uma única sentença favorável à nulidade é executiva: Pareceu oportuno, antes de mais, que já não seja exigida uma dupla decisão conforme a favor da nulidade do matrimónio para que as partes sejam admitidas a novas núpcias canónicas, mas que seja suficiente a certeza moral alcançada pelo primeiro juiz nos termos do direito.
II. – O juiz único, sob a responsabilidade do Bispo: A constituição do juiz único, certamente clérigo, em primeira instância é confiada à responsabilidade do Bispo que, no exercício pastoral do seu poder judicial, deverá assegurar que não se consinta qualquer forma de laxismo.
III. – O próprio Bispo é juiz: A fim de que seja finalmente traduzido na prática o ensinamento do Concílio Vaticano II num âmbito de grande importância, estabeleceu-se evidenciar que o próprio Bispo na sua Igreja, da qual está constituído pastor e chefe, é por isso mesmo juiz no meio dos fiéis a ele confiados. É desejável, portanto, que o próprio Bispo, tanto nas grandes como nas pequenas dioceses, ofereça um sinal da conversão das estruturas eclesiásticas,[5] e não deixe completamente delegada aos serviços da Cúria a função judiciária em matéria matrimonial. Valha isto especialmente no processo mais breve, que é estabelecido para resolver os casos de nulidade mais evidente.
IV. – O processo mais breve: De facto, além de se tornar mais ágil o processo matrimonial, estabeleceu-se uma forma de processo mais breve – juntando-se ao documental actualmente em vigor –, que se aplicará nos casos em que a acusada nulidade do matrimónio seja sustentada por argumentos particularmente evidentes.
Não me passou, todavia, despercebido quanto um juízo abreviado possa colocar em risco o princípio da indissolubilidade do matrimónio; por isso mesmo, quis que em tal processo fosse constituído juiz o próprio Bispo, o qual, em virtude do seu cargo pastoral é, com Pedro, o maior garante da unidade católica na fé e na disciplina.
V. – A apelação à Sé Metropolitana: É necessário que se restabeleça a apelação à Sé Metropolitana, já que tal ofício de chefia da província eclesiástica, estável ao longo dos séculos, é um sinal distintivo da sinodalidade na Igreja.
VI. – A tarefa própria das Conferências Episcopais: As Conferências Episcopais, que devem viver impelidas sobretudo pelo zelo apostólico de alcançar os fiéis dispersos, sintam fortemente o dever de partilhar a conversão acima mencionada e respeitem absolutamente o direito dos Bispos de organizarem o poder judicial na sua Igreja particular.
O restabelecimento da proximidade entre o juiz e os fiéis, na realidade, não será bem sucedido se das Conferências Episcopais não chegar a cada Bispo o estímulo, juntamente com a ajuda, para pôr em prática a reforma do processo matrimonial.
Juntamente com a proximidade do juiz, as Conferências Episcopais cuidem, tanto quanto possível, que, sem prejuízo da justa e digna retribuição dos operadores dos tribunais, seja assegurada a gratuidade dos processos, para que a Igreja, mostrando-se aos fiéis mãe generosa, numa matéria tão estreitamente ligada à salvação das almas, manifeste o amor gratuito de Cristo pelo qual todos fomos salvos.
VII. – A apelação à Sé Apostólica: É necessário, no entanto, que se mantenha a apelação ao Tribunal ordinário da Sé Apostólica, isto é, à Rota Romana, no respeito de um princípio jurídico muito antigo, de modo que seja reforçado o vínculo entre a Sé de Pedro e as Igrejas particulares, tendo porém o cuidado, na disciplina de tal apelação, de impedir qualquer abuso do direito, para que daí não receba dano a salvação das almas.
A lei própria da Rota Romana será, quanto antes, adequada às regras do processo reformado, nos limites do necessário.
VIII. – Previsões para as Igrejas Orientais: Considerando, enfim, o peculiar ordenamento eclesial e disciplinar das Igrejas Orientais, decidi emitir separadamente, nesta mesma data, as normas para reformar a disciplina dos processos matrimoniais no Código dos Cânones das Igrejas Orientais.
Tendo oportunamente considerado tudo isto, decreto e estabeleço que o Livro VII do Código de Direito Canónico, Parte III, Título I, Capítulo I, sobre as causas para a declaração de nulidade do matrimónio (câns. 1671-1691), a partir do dia 8 de Dezembro de 2015, seja integralmente substituído como segue:
Art. 1 – O foro competente e os tribunais
Cân. 1671 § 1. As causas matrimoniais dos baptizados competem por direito próprio ao juiz eclesiástico.
§ 2. As causas relativas aos efeitos meramente civis do matrimónio pertencem ao magistrado civil, a não ser que o direito particular estabeleça que essas causas, se surgirem de modo incidental e acessório, possam ser examinadas e decididas pelo juiz eclesiástico.
Cân. 1672. Para as causas de nulidade do matrimónio que não estejam reservadas à Sé Apostólica, são competentes: 1° o tribunal do lugar em que se celebrou o matrimónio; 2° o tribunal do lugar em que uma ou ambas as partes têm domicílio ou quase-domicílio; 3° o tribunal do lugar em que de facto se hão-de recolher a maior parte das provas.
Cân. 1673 § 1. Em cada diocese, o juiz de primeira instância para as causas de nulidade do matrimónio, não exceptuadas expressamente pelo direito, é o Bispo diocesano, que pode exercer o poder judicial por si mesmo ou por meio de outros, em conformidade com as normas do direito.
§ 2. O Bispo constitua para a sua diocese o tribunal diocesano para as causas de nulidade do matrimónio, salva a faculdade que o mesmo Bispo tem de aceder a outro tribunal diocesano ou interdiocesano mais próximo.
§ 3. As causas de nulidade do matrimónio são reservadas a um colégio de três juízes. O mesmo deve ser presidido por um juiz clérigo, os restantes juízes podem ser também leigos.
§ 4. O Bispo Moderador, se não for possível constituir o tribunal colegial na diocese ou no tribunal mais próximo que foi escolhido nos termos do § 2, confie as causas a um único juiz clérigo que, onde for possível, associe a si dois assessores de vida exemplar, especialistas em ciências jurídicas ou humanas, aprovados pelo Bispo para esta função; ao mesmo juiz único competem, a menos que resulte diversamente, as funções atribuídas ao colégio, ao presidente ou ao ponente.
§ 5. O tribunal de segunda instância, para a validade, deve ser sempre colegial, segundo o prescrito no § 3 anterior.
§ 6. Do tribunal de primeira instância apela-se para o tribunal metropolitano de segunda instância, sem prejuízo do prescrito nos câns. 1438-1439 e 1444.
Art. 2- O direito de impugnar o matrimónio
Cân. 1674 § 1. Para impugnar o matrimónio, são hábeis: 1° os cônjuges; 2° o promotor da justiça, quando a nulidade já está divulgada e não possa ou não convenha convalidar-se o matrimónio.
§ 2. O matrimónio que não foi acusado em vida de ambos os cônjuges não pode ser acusado depois da morte de um deles ou de ambos, a não ser que a questão da validade seja prejudicial para resolver a controvérsia no foro canónico ou no foro civil.
§ 3. Se entretanto um cônjuge morre, estando pendente a causa, observe-se o cân. 1518.
Art. 3 – A introdução e a instrução da causa
Cân. 1675. O juiz, antes de aceitar a causa, deve ter a certeza de que o matrimónio está irremediavelmente perdido, de modo que seja impossível restabelecer a convivência conjugal.
Cân. 1676 § 1. Uma vez recebido o libelo, se o vigário judicial considerar que o mesmo goza de algum fundamento, admita-o e, com decreto colocado no fim do próprio libelo, ordene que uma cópia seja notificada ao defensor do vínculo e, a não ser que o libelo tenha sido assinado por ambas as partes, à parte demandada, dando-lhe o prazo de quinze dias para exprimir a sua posição relativamente à petição.
§ 2. Transcorrido o mencionado prazo, depois de ter novamente advertido – se e na medida em que o considerar oportuno – a outra parte para manifestar a sua posição, ouvido o defensor do vínculo, o vigário judicial por decreto próprio determine a fórmula da dúvida e decida se a causa deve ser tratada com o processo ordinário ou o processo mais breve nos termos dos câns. 1683-1687. Tal decreto seja imediatamente notificado às partes e ao defensor do vínculo.
3. Se a causa deve ser tratada com o processo ordinário, o vigário judicial, com o mesmo decreto, disponha a constituição do colégio dos juízes ou do juiz único com os dois assessores, segundo o cân. 1673 § 4.
§ 4. Se, pelo contrário, se estatuiu o processo mais breve, o vigário judicial proceda nos termos do cân. 1685.
§ 5. A fórmula da dúvida deve determinar por que capítulo ou capítulos é impugnada a validade do matrimónio.
Cân. 1677 § 1. O defensor do vínculo, os advogados das partes e, se intervier no juízo, também o promotor da justiça têm direito de: 1° assistir ao interrogatório das partes, das testemunhas e dos peritos, sem prejuízo do prescrito no cân. 1559; 2° ver as actas judiciais, mesmo ainda não publicadas, e examinar os documentos apresentados pelas partes.
§ 2. Ao interrogatório referido no § 1, n. 1º não podem assistir as partes.
Cân. 1678 § 1. Nas causas de nulidade do matrimónio, a confissão judicial e as declarações das partes, apoiadas eventualmente por testemunhas sobre a credibilidade das mesmas, podem ter valor de prova plena, que há-de ser avaliado pelo juiz considerados todos os indícios e subsídios, se não houver outros elementos que as contestem.
§ 2. Nas mesmas causas, o depoimento de uma só testemunha pode fazer fé plena, se se tratar de uma testemunha qualificada que deponha sobre coisas feitas ex officio, ou as circunstâncias de factos e pessoas o sugiram.
§ 3. Nas causas de impotência ou de falta de consentimento por enfermidade mental ou por anomalias de natureza psíquica, o juiz utilize a colaboração de um ou mais peritos, a não ser que conste pelas circunstâncias, com evidência, que isso seria inútil; nas demais causas, observe-se o prescrito no cân. 1574.
§ 4. Quando na instrução da causa surgir a dúvida muito provável de que o matrimónio não foi consumado, o tribunal, ouvidas as partes, pode suspender a causa de nulidade, completar a instrução para a dispensa super rato, e por fim transmitir os autos à Sé Apostólica, juntamente com a súplica de dispensa, por parte de um dos cônjuges ou de ambos e com o parecer do tribunal e do Bispo.
Art. 4 – A sentença, as suas impugnações e a sua execução
Cân. 1679. A sentença que em primeiro lugar declarou a nulidade do matrimónio, expirados os prazos estabelecidos nos câns. 1630-1633, torna-se executiva.
Cân. 1680 § 1. A parte que se julgue agravada e, igualmente, o promotor da justiça e o defensor do vínculo têm o direito de interpor querela de nulidade da sentença ou apelação contra a mesma sentença nos termos dos câns. 1619-1640.
§ 2. Decorridos os prazos estabelecidos pelo direito para a apelação e para a sua prossecução, depois de o tribunal da instância superior receber os autos judiciais, constitua-se o colégio dos juízes, designe-se o defensor do vínculo e as partes sejam advertidas para apresentar as suas observações dentro do prazo pré-estabelecido; transcorrido tal prazo, o tribunal colegial, se a apelação resultar manifestamente dilatória, confirme com decreto próprio a sentença de primeira instância.
§ 3. Se a apelação foi admitida, deve-se proceder da mesma maneira como na primeira instância, com as devidas adaptações.
§ 4. Se no grau de apelação for introduzido um novo capítulo de nulidade do matrimónio o tribunal pode admiti-lo e julgá-lo como se fosse em primeira instância.
Cân. 1681. Se foi emitida uma sentença executiva, pode-se recorrer, em qualquer momento, ao tribunal de terceiro grau para a nova proposição da causa nos termos do cân. 1644, aduzindo-se novas e ponderosas provas ou argumentos, dentro do prazo peremptório de trinta dias a partir da apresentação da impugnação.
Cân. 1682 § 1. Depois de a sentença que declarou a nulidade do matrimónio se tornar executiva, as partes cujo matrimónio foi declarado nulo podem contrair novas núpcias, a não ser que isso seja vedado por uma proibição aposta à própria sentença ou determinada pelo Ordinário do lugar.
§ 2. Logo que a sentença se torne executiva, o vigário judicial deve notificá-la ao Ordinário do lugar onde o matrimónio foi celebrado. Este deve velar por que, quanto antes, o decreto da nulidade do matrimónio e as proibições porventura impostas se averbem no livro dos matrimónios e no dos baptismos.
Art. 5 – O processo matrimonial mais breve diante do Bispo
Cân. 1683. Ao próprio Bispo diocesano compete julgar as causas de nulidade do matrimónio com o processo mais breve, sempre que:
1° a petição for proposta por ambos os cônjuges ou por um deles, com o consentimento do outro;
2º houver circunstâncias de factos e de pessoas, apoiadas por testemunhos ou documentos, que não exijam uma mais acurada discussão ou investigação e tornem evidente a nulidade.
Cân. 1684. O libelo com o qual se introduz o processo mais breve, além dos elementos elencados no cân. 1504, deve: 1° expor de maneira breve, integral e clara os factos em que se baseia a petição; 2° indicar as provas que possam ser imediatamente recolhidas pelo juiz; 3º exibir, em anexo, os documentos em que se baseia a petição.
Cân. 1685. O vigário judicial, no mesmo decreto com que determina a fórmula da dúvida, nomeie o instrutor e o assessor e cite para a sessão, que se deve celebrar nos termos do cân. 1686, não para além de trinta dias, todos aqueles que devem nela participar.
Cân. 1686. O instrutor, na medida do possível, recolha as provas numa única sessão e fixe um prazo de quinze dias para a apresentação das observações em favor do vínculo e das alegações das partes, se as houver.
Cân. 1687 § 1. Recebidos os autos, o Bispo diocesano, depois de consultar o instrutor e o assessor, avaliadas as observações do defensor do vínculo e, se houver, as alegações das partes, se chegar à certeza moral sobre a nulidade do matrimónio emane a sentença. Caso contrário, envie a causa para o processo ordinário.
§ 2. O texto integral da sentença, com a motivação, seja notificado o mais rapidamente possível às partes.
§ 3. Contra a sentença do Bispo, dá-se apelação ao Metropolita ou à Rota Romana; se a sentença foi emitida pelo Metropolita, dá-se apelação ao sufragâneo mais idoso; e contra a sentença de outro Bispo que não tenha uma autoridade superior sob o Romano Pontífice, dá-se apelação ao Bispo por ele estavelmente escolhido.
§ 4. Se a apelação resultar, com evidência, meramente dilatória, o Metropolita ou o Bispo referido no § 3, ou o Decano da Rota Romana, rejeite-a liminarmente com um seu decreto; se, pelo contrário, a apelação for admitida, envie-se a causa para o exame ordinário de segundo grau.
Art. 6 – O processo documental
Cân. 1688. Uma vez recebida a petição apresentada nos termos do cân. 1676, o Bispo diocesano ou o vigário judicial ou o juiz designado, omitidas as solenidades do processo ordinário, mas citadas as partes e com a intervenção do defensor do vínculo, pode declarar por sentença a nulidade do matrimónio, se de um documento, a que não possa opor-se nenhuma objecção ou excepção, constar com certeza da existência de um impedimento dirimente ou da falta de forma legítima, contanto que com igual certeza conste que não foi dada dispensa, ou conste da falta de mandato válido do procurador.
Cân. 1689 § 1. Se o defensor do vínculo considerar prudentemente que os vícios referidos no cân. 1688 ou a falta da dispensa não são certos, deve apelar desta declaração para o juiz de segunda instância, ao qual devem ser transmitidos os autos, e também avisá-lo por escrito de que se trata de um processo documental.
§ 2. A parte que se julgue agravada tem o direito de apelar.
Cân. 1690. O juiz de segunda instância, com a intervenção do defensor do vínculo e ouvidas as partes, decida, do mesmo modo como referido no cân. 1688, se a sentença deve ser confirmada ou, pelo contrário, se deve proceder-se na causa segundo os trâmites ordinários do direito; neste caso, remeta-a ao tribunal de primeira instância.
Art. 7 – Normas gerais
Cân. 1691 § 1. Na sentença advirtam-se as partes acerca das obrigações morais e até civis que porventura tenham uma para com a outra e com os filhos, no referente à prestação do sustento e à educação.
§ 2. As causas de declaração da nulidade do matrimónio não podem tratar-se através de processo contencioso oral, do qual tratam os câns. 1656-1670.
§ 3. Nas restantes coisas referentes ao modo de proceder, a não obstar a natureza da coisa, devem aplicar-se os cânones dos juízos em geral e do juízo contencioso ordinário, com a observância das normas especiais acerca das causas relativas ao estado das pessoas e às causas respeitantes ao bem público.
O prescrito no cân. 1679 aplicar-se-á às sentenças declarativas da nulidade do matrimónio publicadas a partir do dia em que este Motu Proprio entrar em vigor.
Ao presente documento, vão anexas as regras de procedimento, que considero necessárias para a aplicação correcta e acurada da lei renovada e que se hão-de observar diligentemente para tutela do bem dos fiéis.
O que foi por mim estabelecido com este Motu Proprio ordeno que seja válido e eficaz, não obstante qualquer disposição em contrário, mesmo se merecedora de especialíssima menção.
À intercessão da gloriosa e bem-aventurada sempre Virgem Maria, Mãe de misericórdia, e dos Apóstolos São Pedro e São Paulo, entrego confiadamente a diligente execução do novo processo matrimonial.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 15 do mês de Agosto, solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria, do ano 2015, terceiro do meu Pontificado.
Francisco
Regras de procedimento ao tratar das causas de nulidade matrimonial
A III Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, celebrada no mês de Outubro de 2014, constatou a dificuldade dos fiéis em chegar aos tribunais da Igreja. Uma vez que o Bispo, à semelhança do Bom Pastor, tem obrigação de ir ao encontro dos seus fiéis que precisam de particular cuidado pastoral, dada por certa a colaboração do Sucessor de Pedro e dos Bispos em difundir o conhecimento da lei, pareceu oportuno oferecer, juntamente com as normas detalhadas para a aplicação do processo matrimonial, alguns instrumentos para que a acção dos tribunais possa dar resposta às exigências daqueles fiéis que pedem a verificação da verdade sobre a existência ou não do vínculo do seu matrimónio falido.
Art. 1. O Bispo, em virtude do cân. 383 § 1, é obrigado a seguir com ânimo apostólico os esposos separados ou divorciados que, pela sua condição de vida, tenham eventualmente abandonado a prática religiosa. Ele partilha, portanto, com os párocos (cf. cân. 529 § 1) a solicitude pastoral para com esses fiéis em dificuldade.
Art. 2. A investigação preliminar ou pastoral, dirigida ao acolhimento nas estruturas paroquiais ou diocesanas dos fiéis separados ou divorciados que duvidam da validade do seu matrimónio ou estão convencidos da nulidade do mesmo, visa conhecer a sua condição e recolher elementos úteis para a eventual celebração do processo judicial, ordinário ou mais breve. Tal investigação desenrolar-se-á no âmbito da pastoral matrimonial diocesana de conjunto.
Art. 3. A mesma investigação será confiada a pessoas consideradas idóneas pelo Ordinário do lugar, dotadas de competências mesmo se não exclusivamente jurídico-canónicas. Entre elas, conta-se em primeiro lugar o pároco próprio ou aquele que preparou os cônjuges para a celebração das núpcias. Esta função de consulta pode ser confiada também a outros clérigos, consagrados ou leigos aprovados pelo Ordinário do lugar.
A diocese, ou várias dioceses em conjunto, segundo os agrupamentos actuais, podem constituir uma estrutura estável através da qual fornecer este serviço e redigir, se for caso disso, um Vademecum onde se exponham os elementos essenciais para um desenvolvimento mais adequado da investigação.
Art. 4. A investigação pastoral recolhe os elementos úteis para a eventual introdução da causa por parte dos cônjuges ou do seu advogado diante do tribunal competente. Indague-se se as partes estão de acordo em pedir a nulidade.
Art. 5. Recolhidos todos os elementos, a investigação encerra-se com o libelo, que deve ser apresentado, se for o caso, ao tribunal competente.
Art. 6. Uma vez que o Código de Direito Canónico deve ser aplicado sob todos os aspectos, salvas as normas especiais, mesmo aos processos matrimoniais, segundo a mente do cân. 1691 § 3, as presentes regras não entendem expor minuciosamente o conjunto de todo o processo, mas sobretudo esclarecer as principais inovações legislativas e, onde for necessário, completá-las.
Título I – O foro competente e os tribunais
Art. 7 § 1. Os títulos de competência, mencionados no cân. 1672, são equivalentes, salvaguardado, tanto quanto possível, o princípio de proximidade entre o juiz e as partes.
§ 2. Mediante a cooperação entre tribunais, pois, em conformidade com o cân. 1418, cuide-se que todos, parte ou testemunha, possam participar no processo com o mínimo de despesa.
Art. 8 § 1. Nas dioceses que não têm um tribunal próprio, o Bispo cuide em formar quanto antes, mesmo mediante cursos de formação permanente e contínua, promovidos pelas dioceses ou pelos seus agrupamentos e pela Sé Apostólica em comunhão de intentos, pessoas que possam prestar o seu serviço ao tribunal a constituir-se para as causas matrimoniais.
§ 2. O Bispo pode desligar-se do tribunal interdiocesano constituído em conformidade com o cân. 1423.
Título II – O direito de impugnar o matrimónio
Art 9. Se o cônjuge morrer durante o processo, antes da causa estar concluída, a instância é suspensa até que o outro cônjuge ou outra pessoa interessada requeira a sua prossecução; neste caso, deve-se provar o legítimo interesse.
Título III – A introdução e a instrução da causa
Art. 10. O juiz pode admitir a petição oral sempre que a parte esteja impedida de apresentar o libelo; todavia, o juiz deve ordenar ao notário que redija por escrito um auto que deve ser lido à parte e por ela aprovado, e que substitui o libelo escrito pela parte, para todos os efeitos da lei.
Art. 11 § 1. O libelo seja apresentado ao tribunal diocesano ou ao tribunal interdiocesano escolhido, nos termos do cân. 1673 § 2.
§ 2. Considera-se que não se opõe à petição a parte demandada que se remete à justiça do tribunal ou que, devidamente citada uma segunda vez, não dá qualquer resposta.
Título IV – A sentença, as suas impugnações e a sua execução
Art. 12. Para se alcançar a certeza moral necessária por lei, não basta uma prevalecente importância das provas e dos indícios, mas é preciso que fique totalmente excluída qualquer dúvida prudente positiva de erro, de direito e de facto, embora não esteja excluída a mera possibilidade do contrário.
Art. 13. Se uma parte declarou expressamente recusar receber qualquer informação relativa à causa, considera-se que tenha renunciado a obter a cópia da sentença. Em tal caso, pode ser-lhe notificado o dispositivo da sentença.
Título V – O processo matrimonial mais breve diante do Bispo
Art. 14 § 1. Entre as circunstâncias que podem permitir o tratamento da causa de nulidade do matrimónio através do processo mais breve, segundo os câns. 1683-1687, contam-se, por exemplo: aquela falta de fé que pode gerar a simulação do consentimento ou o erro que determina a vontade, a brevidade da convivência conjugal, o aborto procurado para impedir a procriação, a permanência obstinada numa relação extraconjugal no momento do matrimónio ou imediatamente depois, a ocultação dolosa da esterilidade ou de uma grave doença contagiosa ou de filhos nascidos de uma relação anterior ou de um encarceramento, a causa do matrimónio que seja completamente alheia à vida conjugal ou uma gravidez imprevista da mulher, a violência física infligida para extorquir o consentimento, a falta de uso da razão comprovada através de documentos médicos, etc.
§ 2. Entre os documentos que sustentam a petição, estão todos os atestados médicos que, com evidência, podem tornar inúteis a aquisição de uma perícia ex officio.
Art. 15. Se for apresentado o libelo para introduzir um processo ordinário, mas o vigário judicial considerar que a causa pode ser tratada com o processo mais breve, ele, ao notificar o libelo nos termos do cân. 1676 § 1, convide a parte demandada que não o tenha assinado a comunicar ao tribunal se pretende associar-se à petição apresentada e participar no processo. O vigário judicial, sempre que necessário, convide a parte ou as partes que assinaram o libelo a completá-lo o mais rapidamente possível, de acordo com o cân. 1684.
Art. 16. O vigário judicial pode designar-se a si próprio como instrutor; porém, na medida do possível, nomeie um instrutor pertencente à diocese de origem da causa.
Art. 17. Na citação que se deve expedir nos termos do cân. 1685, informe-se as partes de que podem exibir, pelo menos até três dias antes da sessão instrutória, os pontos dos argumentos sobre os quais se pede o interrogatório das partes ou das testemunhas, a não ser que tenham sido anexados ao libelo.
Art. 18. § 1. As partes e os seus advogados podem assistir à excussão das outras partes e das testemunhas, a não ser que o instrutor considere, por circunstâncias concomitantes de coisas e de pessoas, que se deva proceder diversamente.
§ 2. As respostas das partes e das testemunhas devem ser redigidas por escrito pelo notário, mas sumariamente e somente naquilo que se refere à substância do matrimónio controverso.
Art. 19. Se a causa for instruída junto de um tribunal interdiocesano, o Bispo que deve pronunciar a sentença é o do lugar que serve de base para estabelecer a competência de acordo com o cân. 1672. Se, pois, forem mais do que um, observe-se, tanto quanto possível, o princípio da proximidade entre as partes e o juiz.
Art. 20 § 1. O Bispo diocesano estabeleça, segundo a sua prudência, o modo de pronunciar a sentença.
§ 2. A sentença, naturalmente assinada pelo Bispo juntamente com o notário, exponha de forma breve e acuradamente os motivos da decisão e, de modo ordinário, seja notificada às partes no prazo de um mês a partir do dia da decisão.
Título VI – O processo documental
Art. 21. O Bispo diocesano e o vigário judicial competentes determinam-se nos termos do cân. 1672.
[1]Cf. Concílio Ecuménico Vaticano II, Const. dogm. Lumen Gentium, 27.
[2]Cf. Código de Direito Canónico, cân. 1752.
[3]Cf. Paulo VI, Alocução aos participantes no II Convénio Internacional de Direito Canónico (17 de Setembro de 1973).
[4]Cf. Relatio Synodi, 48.
[5]Cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 27: AAS 105 (2013), 1031.
A SANTA SÉ
https://www.vatican.va