Em um tempo onde as consequências da Revolução Francesa estavam em pleno curso, onde insistia em levantar-se contra a Igreja, uma corrente contrária aos valores cristãos – o modernismo, encruzilhada de todas as heresias – eis que é elevado ao pontificado, um homem já idoso de 68 anos, que já pensava, quem sabe, em terminar os seus dias, recluso em um mosteiro, em uma vida recolhida à oração, mas que segundo os desígnios insondáveis da Providência Divina, foi convocado para sua última missão, a mais importante. Era o ano de 1903, quando morreu o grande Papa Leão XIII e, no conclave, a fumaça branca anunciou ao mundo o novo Papa. Era ele, o cardeal Giuseppe Melchior Sarto, que se chamaria Pio X. Eis que o Senhor convocava um santo para chefiar a Igreja.
Um homem que experimentava sobre si as virtudes cardeais como que encarnadas em sua vida, sendo prudente, justo, forte e temperante, de uma rara humildade, o que lhe conferia uma nobreza e uma pureza extraordinárias que há muito tempo não se percebia no trono de São Pedro. O padre vigário da roça como se auto intitulava, viera rapidamente a ser conhecido sobretudo por sua amabilidade. E não demorou para adquirir no seio da Igreja, a fama de santidade, ainda em vida, envolvendo inclusive alguns prodígios, como o caso de um homem que, durante uma audiência pública, lhe mostrou seu braço paralisado e pediu a graça da cura. O Papa se aproximou, tocou no braço sorrindo e disse: “Sim, sim”. O homem recuperou, por fim, os movimentos do braço. Não obstante, também profetizou a eclosão da primeira guerra mundial, afirmando que esta seria a última aflição que o Senhor o enviava, e que, com gosto daria a vida para salvar seus pobres filhos desta terrível calamidade. Neste mesmo ano, após a sua morte, a guerra começava.
Os fieis, de fato admiravam seu antecessor Leão XIII, ou mesmo Pio IX, mas amavam Pio X. Defensor da Igreja contra as hordas modernistas, o papa Sarto afirmava em sua carta apostólica Notre Charge Apostolique, que “o primeiro dever da caridade não está na tolerância das convicções errôneas, por mais sinceras que sejam, nem na indiferença teórica e prática pelo erro ou pelo vício em que vemos mergulhados os nossos irmãos, mas sim no zelo pela sua restauração intelectual e moral, reiterando que não existe verdadeira fraternidade fora da caridade cristã.
Corajoso e zeloso no combate aos erros do modernismo, especialmente diante das tentativas de infiltração de tais teses dentro da Igreja, no seio do clero, assumiu para si a força de um leão, sem perder, contudo a mansidão de um cordeiro. Um homem, um pastor, um santo, um espelho claro de virtude, que fez do seu pontificado, uma ocasião para restaurar todas as coisas em Cristo. Manifestação clara da pureza, a ponto de um outro padre, também chamado Pio, o de Pietrelcina, referir-se a São Pio X de modo impactante: “o homem mais puro que já pisou no Vaticano desde São Pedro”.
Com extraordinária perspicácia, denunciava em sua encíclica Pascendi Dominici Regis, quem de fato, são os inimigos da Igreja, exortando antes de tudo que os fautores do erro já não devem ser procurados entre inimigos declarados; mas, ocultam-se no próprio seio da Igreja, tornando-se tanto mais nocivos quanto menos percebidos. Em cada palavra sua, via-se claramente o seu zelo pelas almas e o seu amor apaixonado por Jesus Cristo. Sendo um homem de profunda vida interior, Pio X já percebia, e isto ele retratava claramente em sua primeira encíclica, E Supremi Apostolatus, que, “tendo em vista que, em geral o homem tem por guia a sua própria razão e a liberdade, é preciso compreender que o principal meio de restituir a Deus o seu império sobre as almas é o ensino religioso, pois quantos são hostis a Jesus Cristo, horrorizam a Igreja e o Evangelho, bem mais por ignorância do que por malícia, e dos quais se poderia dizer: ‘Blasfemam tudo o que ignoram’ (Jud. 10). De tal sorte que, onde a ignorância é maior, aí também a incredulidade faz maiores devastações”. É justamente por isso, que Jesus deu aos Apóstolos este preceito: Ide e ensinai a todas as nações (Mt 28,19).
Suas palavras, queridos irmãos, longe de causar simplesmente um entendimento pelo uso da razão, são capazes de iluminar a inteligência e convidar a vontade para aventurar-se numa vida de virtudes. Aprendamos com ele, a amar Nosso Senhor, e por causa de Cristo, exercer um apostolado com eficácia e fidelidade, ensinando o povo de Deus, que se encontra na ignorância. E ainda assim, continua exortando o santo papa Sarto, que, para que esse zelo em ensinar produza os frutos que dele se esperam e sirva para formar Cristo em todos, nada mais eficaz do que a caridade, corrigir as almas com docilidade, pois denunciar duramente os erros, e repreender os vícios com aspereza, muitíssimas vezes causa mais dano do que proveito. Imitar o modelo, que é Cristo! É Ele quem nos dirige este convite: “Vinde a mim vós todos que sofreis e que gemeis sob o fardo, e eu vos aliviarei” (Mt 11,28). E, no pensamento do divino Mestre, quem eram esses enfermos e esses oprimidos se não os escravos do erro e do pecado? Assim foi o pontificado do papa que não deixou de ser o padre vigário da roça. A sua “roça” era a Igreja inteira, e ainda assim, trouxe muitos que não eram do seu redil, para dentro do pasto. Sempre com muita paciência e benignidade indo ao encontro daqueles mesmos que são nossos adversários e nossos perseguidores, aludindo às palavras de São Paulo: “Insultados, abençoamos; perseguidos, suportamos; caluniados, consolamos!” (I Cor 4,12), crendo que a caridade não se cansa, persuadido que está de que Deus mede suas recompensas não pelos resultados, mas pela boa vontade.
Defensor ardentíssimo da sagrada Eucaristia, instituiu a primeira comunhão para as crianças a partir do momento em que adquirissem a idade da razão. Um curioso fato aconteceu em audiência privada que uma senhora inglesa teve com o santo Padre o Papa Pio X. Ela havia levado seu pequeno filho de quatro anos para receber sua bênção. Enquanto ela conversava, seu filho contemplava-os a uma pequena distância. Logo, ele engatinhou até o Papa, que se curvou e olhou para sua face.– Qual a idade dele? – perguntou Pio, acariciando a criança.– Ele tem quatro anos – respondeu a mãe – e daqui a dois ou três anos, ele fará sua primeira comunhão. O Papa perguntou, olhando seriamente para os olhos claros da criança:– Quem recebes na sagrada comunhão? – Jesus Cristo! – Respondeu a criança com firmeza. – E quem é Jesus Cristo? – Jesus Cristo é Deus! – Respondeu o garoto com a mesma rapidez. – Traga-me ele amanhã – disse o Papa para sua mãe – e eu mesmo lhe darei a sagrada comunhão. São eventos pitorescos como este do Papa Pio X, mas de grande significado.
Pois assim era ele, em cujo testamento deixava escrito insistentemente: “Nasci pobre, cresci na pobreza e quero morrer pobre”. Um papa abandonado, literalmente nas mãos de Deus, como ele mesmo menciona nesta oração de abandono, de entrega pessoal aos cuidados paternais do Altíssimo:
“Ó meu Deus, creio na vossa infinita bondade;
Não apenas na bondade que recobre o mundo, mas nessa bondade particular e muito pessoal para com esta criatura miserável que sou eu, e que tudo dispõe para o meu bem maior.
Por isso, Senhor, mesmo quando não vejo, quando não entendo, quando não sinto, eu creio que o estado em que me encontro e tudo o que me ocorre é obra do Vosso amor;
E com todas as forças da minha alma, prefiro-o a qualquer outro estado que me seria mais agradável, mas que me aproximaria menos de Vós.
Coloco-me nas vossas mãos; fazei-me o que quiseres, deixando-me como único consolo o de Vos obedecer.”
Amém.
Por: Romero Frazão, fvc