Para respondermos esta pergunta, precisamos necessariamente saber o que ela está perguntando. Não se trata de uma indagação a respeito da nossa vivência nesta Semana Santa, mas na essência do que representa este período do ano. Assim, distinguindo estes dois fatores, podemos esmiuçar cada um deles para que verdadeiramente tomemos uma postura madura perante a estes dois fatos que são propostos para nós.
Primeiramente, o Santo Sacrifício de Nosso Senhor na cruz e sua Gloriosa Ressurreição são acontecimentos transcendentais, isto é: perpassam o temporal e material desta existência para uma ação que é exclusivamente fora do mundo natural. Logo, se existe uma ação fora do tempo, este é transcendental. Por ser o principal fato da história da humanidade, os mistérios celebrados na Semana Santa são atemporais, ou seja, nenhuma adversidade temporal ou qualquer ação humana pode diminuir ou acrescentar, pois sendo finito e limitado, os acontecimentos temporais não possuem nenhuma força perante o transcendental.
Posto isto, chegamos a conclusão que a pandemia, por ser um fato limitado no tempo e pertecente ao mundo natural, não pode alterar qualquer fenômeno transcendental. O temporal é ínfimo perante o eterno. Dessa forma, a pandemia não prejudicou de nenhuma forma a Semana Santa, haja vista que os mistérios celebrados nesse tempo são inalcançáveis a qualquer movimento finito. O Verbo Eterno nos visitou, deu sua vida por nós e ressuscitou. Nada e nem ninguém pode alterar isto!
Entretanto, partindo para a reflexão de como ficou a nossa vivência dentro deste período que a Igreja reserva para o católico, podemos constatar algo: a nossa vivência foi sim afetada por esta pandemia pelo fato de não termos o acesso a recepção dos sacramentos. O melhor para qualquer católico é participar integralmente dos mistérios da sua fé que se manifestam de maneira singular nos sacramentos da nossa Igreja. Estar diante do sacerdote para receber a absolvição dos pecados e participar do Banquete do Cordeiro são os dois maiores presentes que o Senhor Jesus deixou aos batizados. Privar esta realidade para alguém em estado de graça sempre será um dos maiores castigos a se fazer.
A Igreja, sendo sábia e prudente, por ter o Espírito Santo como guia, no Cânon 87 § 1 do Código de Direito Canônico, concede ao bispo diocesano a faculdade de dispensar os fiéis do cumprimento das leis disciplinares em seu território. Sendo assim, o pastor de cada diocese, pode, em cenários graves, como este que estamos vivendo, dispensar os fiéis de receberem os sacramentos. Se o Nosso Senhor concedeu o poder das chaves a Pedro (Mt 16,18), sendo ele infalível no caráter doutrinário, nada que ele determinar em termo de doutrina pode ser alterado ou errado. Por isso, nos primeiros anos da Igreja, Santo Agostinho já afirmava: “Roma locuta causa finita est”. Logo, se o nosso pastor diocesano tem o poder desta dispensa, devemos obedecer irrestritamente, pois quem obedece nunca erra.
Assim, o fato de sermos dispensados da participação dos sacramentos não condiciona a ficarmos num estado de inércia perante a Semana Maior. Em qualquer tempo ou situação, podemos ter a certeza que “está conosco o Senhor dos exércitos” (Sl 45,12) e por isso podemos ter o livre acesso para o amarmos e estarmos sob a sua Divina Proteção. Além disso, temos a comunhão dos santos que incessantemente intercede do céu por nós – principalmente a Virgem Santíssima, pois sendo a nossa Mãe, vela com amor e acompanha todos os nossos passos com sua doce ternura. Também temos o nosso anjo da guarda que nos guarda em nossos caminhos e nos inspira para que cada vez mais amemos a Deus e por causa dEle nos doemos aos irmãos. Por todas estas razões, e por todos os meios que temos atualmente de acompanhar as celebrações pelos meios de comunicação, não podemos negligenciar de nenhuma forma o nosso dever como cristãos alcançados pelos mistérios celebrados nesta Semana.
Precisamos, portanto, acompanhar toda essa Semana Santa com o espírito contrito e aberto ao amor Divino que se expressou de modo único a nós através do Sacrifício de Cristo no madeiro romano. Voltemo-nos para Ele, mesmo que agora sem estarmos presencialmente na Igreja, mas agora de todo coração (Jl 2,12), pois assim deseja o Senhor que nos ama e nos salva. E assim deseja nossa alma, pois sendo criada para Ele, não estará em paz enquanto estiver fora dEle.